Chegamos a Quaresma e ouvimos o convite à
conversão através da penitência. Não é um tempo para cair na tristeza, ficar
acabrunhado, rosto abatido por estar vivendo exercícios penitenciais. Pelo
contrário, é motivo de escutar o convite da Igreja que nos provoca a passar
pelo “deserto”, no sentido de entrar em profundo silêncio, experimentar um
retiro espiritual que possa questionar o nosso coração quanto à vivência do
Evangelho. É uma sondagem interior para saber se estamos, ou não, vivendo como
seguidores de Jesus. Muitos fazem penitências, mas é bom que sejam bem
entendidas, não pode ser um mero cumpridor de ritos externos, mas é preciso ser
algo que modifica o coração, quer dizer, não apenas aparecer no exterior, mas
sobretudo interferir no interior.
A Igreja está falando de um “tempo favorável”
em que muitos rompem com os vícios malditos e prejudiciais a vida, a partir de
sérios sacrifícios de penitência. Acontecem muitas transformações para o bem,
uns param de ingerir bebidas alcoólicas, refreiam o paladar daquelas comidas
mais deliciosas, outros se controlam no falar o que não convém, se contêm em
relação à visão de coisas pervertidas, deixam de andar em ambientes que não
agregam valores, entre muitas outras mudanças que se coadunam perfeitamente nos
tradicionais pilares da Quaresma: Oração, Jejum e Caridade.
Esses exercícios alcançam grande valor se não
forem apenas por quarenta dias. Não há razão para se penitenciar tanto se não
existir disposição de mudança. Façamos penitência sim, mas em perspectiva de
melhorar, de sermos pessoas do bem, gente que antes vivia de forma errada e,
após uma avaliação à luz do Evangelho, passou por uma transformação e tornou-se
melhor. Então meus caros, vamos ouvir os apelos do Senhor, vivamos intensamente
esta Quaresma, aproveitemos esse tempo que nos é concedido, para refletir sobre
a importância do Evangelho em nossas vidas.
A Palavra de Deus neste primeiro domingo da
Quaresma, nos apresenta a realidade humana envolvida por sua enorme fragilidade
e, por isso, sujeita à tentação. No início de tudo, homem e mulher não
resistiram as tentações e cederam no Paraíso. Inicia-se o pecado original em
Adão e Eva, que trata-se da rejeição do Plano de Deus pela desobediência e
presunção arrogante de se sentir igual a Deus, de querer agir como se fosse
Deus. Com Jesus não aconteceu assim porque ele resistiu à tentação e foi fiel a
Deus. A serpente enganou Adão e Eva dizendo que Deus não os deixou comer o fruto
da árvore da vida, para impedir que houvessem adversários. Essa foi a grande
mentira. Deus não proíbe com esse intuito mesquinho, mas para que homem e
mulher, habitassem a terra vivendo exclusivamente para promoverem a vida.
Eis a grande tentação e o grande pecado das
origens, que resultou em nós numa constante inclinação para o pecado. Mesmo
tendo sido lavados inteiramente do pecado pelo Batismo, essa tentação está
sempre nos rodeando, voltando a nos seduzir. Basta avaliar se os nossos projetos
estão sendo pensados com, ou sem, a presença de Deus. Quando estamos longe de
Deus, quando queremos Deus distante da nossa vida, quando vivemos mergulhados
no nosso egoísmo, pensando somente em nós mesmo, nisto consiste exatamente a
mesma tentação de Adão e Eva, achar que não precisamos de Deus. Cuidado! Você
que foi batizado, jamais ceda a essa tentação diabólica de ser como o homem
velho, tão parecido com Adão e Eva, mas seja como o homem novo que Jesus nos
apresentou.
O próprio Jesus enfrentou, repito, sem ceder,
graves tentações próprias de um povo que esperava um Messias diferente do que
realmente ele era. Esperavam um Messias com poder ao ponto de transformar
pedras em pão, um milagreiro espetacular que se preocupasse em trazer
benefícios miraculosos e encantadores. Essa expectativa é semelhante a tentação
de se viver uma religião unicamente de brilhos atrativos e emoções extraordinárias,
sem compromisso com Jesus. Não são poucos os que desejam seguir Jesus por um
simples milagre. Jesus nega esse conceito porque não corresponde à sua
realidade.
Outra falsa imagem do Messias foi imaginá-lo
com o poder capaz de se lançar ao precipício e ser protegido pelos Anjos de Deus.
Ora que absurdo! Mas ainda hoje não é diferente, há muitos que agem cedendo a
todo tipo de caprichos pessoais e depois culpam Deus por não terem sido salvos
na hora marcada. Jesus não concorda com esse tipo de tentação de querer dobrar
Deus ao que nós desejamos.
E, por último, o tentador provoca Jesus a
apossar-se de todo o poder do mundo, a ser o comandante absoluto de tudo e de
todos. O inimigo tentador lhe oferece tudo o que enxergasse de cima do monte.
Muito parecido com os arranjos políticos de hoje em dia, não acham? Compra-se aqui
e ali o poder de mandar e desmandar. Jesus mais uma vez não cede a essa
diabólica tentação e usa a Palavra de Deus para se proteger.
Irmãos amados no Senhor, quanta fidelidade
Jesus tem ao Pai, quanta força ele tem para resguardar o Projeto de Deus, como
é forte para não deixar sucumbir suas convicções. Que estes exemplos de Jesus
nos sirvam para os dias de hoje, onde as tentações continuam existindo, mudaram
apenas de nome, mas o sentido é o mesmo e continuam degradando a vida humana. Busquemos
na Igreja o apoio evangelizador, que nos encaminhe para o verdadeiro
discipulado de Jesus. Nunca cedamos à tentação de viver um falso cristianismo,
que se satisfaz na ilusão das multidões emocionadas. Igreja que faz grandes plateias
e não consegue formar o mínimo de discípulos e seguidores de Jesus, ou seja, não
evangelizam. Recebe aplausos, mas não agradam a Deus. São aquelas falsas evangelizações
que pregam unicamente o bem estar, sobretudo econômico, mas no fundo não existe
autêntica conversão.
Portanto, longe de nós esse tipo de religião
que se preocupa mais em anunciar riquezas do que proteger a vida, esta não é a
Igreja de Jesus. A Igreja de Jesus defende a vida. Por isso, o nosso Salvador e
Mestre nos convida nesta Quaresma a vencer todas as tentações intensificando uma
espiritualidade, que possibilite nos libertar dos prejuízos causados à vida,
pelo insano egoísmo de viver somente voltados para o ter, o prazer e o poder.
Amém!
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